Quando Lara voltou a entrar no quarto de Stanislau vinha visivelmente transtornada. Não sabia o que pensar daquilo que tinha acabado de acontecer. Stanislau afinal talvez soubesse o que dizia. Mas a ideia de que Stanislau estivesse a dizer a verdade aterrorizava-a. Ultrapassava todos os limites ou padrões com os quais a sua vida tinha sido, todos estes anos, balizada ou condicionada. Por seu lado, Stanislau estava radiante. O seu sorriso brilhava, resplandecia no seu rosto todo o orgulho. Apesar de não querer mostrá-lo, Stanislau não conseguia esconder alguma vaidade pelo poder que encerrava em si. O poder que lhe tinha sido transmitido pelo planeta para levar a cabo a sua missão. O seu ar de gozo irritou Lara.
- Não percebo qual é a piada! Queres explicar-me o que aconteceu ali!?
- Querias uma prova. Dei-ta. Agora já podemos falar sem que saias daqui a correr? Posso contar contigo ou é melhor esquecermos tudo o que aconteceu hoje?
- Podes contar comigo, acho eu…
- É melhor teres a certeza!
- Ok, tenho a certeza. De qualquer forma arriscaste muito ao fazer essa tua demonstração. Podia sair daqui a correr para contar isto a alguém.
- Em primeiro lugar ninguém ia acreditar. E em segundo lugar, mesmo que alguém te desse ouvidos, eu apagaria da tua memória tudo o que aqui aconteceu.
- Podes fazer isso?
- Entre outras coisas. Agora, se não te importas, a tua histeria fez-nos perder algum tempo que gostava de recuperar.
O planeta está a morrer. É um ser vivo como todos nós e está a morrer. Eu sou a sua última hipótese de sobrevivência. Aquilo que vocês têm feito ao planeta tem levado ao seu gradual enfraquecimento. A exploração de petróleo é o que mais danos tem provocado.
- Pensei que era o aquecimento global?
- Está tudo ligado. Mas pensa no petróleo como pensas no teu sangue. O petróleo é o sangue do planeta, e nós, ano após ano temos retirado esse sangue das suas veias, sem parar, eliminando brutalmente os seus recursos e a sua capacidade para respirar e viver. Estamos a enfraquecer o ser em que vivemos, do qual somos habitantes, parasitas, se quiseres.
Isto tem que acabar.
- Mas se é o planeta que controla tudo porque não acaba com isto?
- Há uma variável que fugiu, há muitos anos, ao controlo do nosso planeta: o ser humano. Aquele que nos deu todas as nossas características e faculdades, agora está a definhar por causa delas. O ser humano tornou-se ganancioso. O planeta está cheio de recursos que podíamos utilizar para sobreviver. Não precisávamos de mais do que a terra nos dá. Temos tudo: água, alimento, recursos energéticos de todos os tipos. Mas para o ser humano isso não chegava. Tudo começou quando o primeiro se tentou apoderar de algo que não lhe pertencia. O Homem parte de um princípio de posse que nunca foi uma premissa da vida em conjunto. A partir do momento em que eu quero possuir algo, todos os meus vizinhos se vão sentir no direito de possuir algo ou a mesma coisa. Na verdade, pensámos que todos os seres humanos acabariam mortos nesta luta pelas coisas materiais, e na verdade, vão todos morrer por isso. Mas nunca pensámos que durassem tanto tempo. Na realidade, analisando a forma como se constituíram as diferentes sociedades, até se saíram bastante bem, mas de forma errada, completamente errada. Apenas uma pequena percentagem dos habitantes do planeta tem acesso aos recursos básicos de sobrevivência, porque alguém instituiu que é preciso pagar um preço elevado por esses recursos. Incrível, não é? Termos que pagar por uma coisa que é nossa de direito apenas por termos nascido: os recursos do planeta.
Lara continuava a digerir aquela informação. Tudo lhe parecia fazer sentido, credível, incrivelmente credível. Sentia uma amálgama de sentimentos contraditórios: por um lado a raiva de pensar que tudo poderia ter sido diferente no mundo, mas por outro, a conversa de Stanislau parecia repreendê-la também a ela, porque não podia deixar de se sentir culpada. Ela também vivia segundo estas regras reprováveis.
Stanislau continuava:
- Estás a pensar que tudo poderia ter sido tão diferente, que poderia ter sido tão melhor, não é?
- Sim. Não consigo evitar. Tento imaginar como viveríamos em paz e em total harmonia.
- Sim. Viveríamos num ambiente muito harmonioso.
- Mas há uma coisa que não percebo! Porquê só agora? Porque razão o planeta não tentou evitar isto antes? Não terá previsto que isto poderia acontecer? Seguramente que algo podia ter sido feito antes…
- Quem te disse que nada foi tentado?
- Então? O que é que se fez?
- Exactamente o que se está a fazer agora: enviou-se alguém.
- Mas quem? Porque é que nunca se falou nisso?
- Nunca se falou nisso? Há um conjunto de livros que conta essa história: chama-se Bíblia.
- O quê?! Não! Não posso sequer equacionar essa possibilidade!
- Não? Pensa bem. Os milagres, os princípios e os valores que defendeu, a forma como tentou mudar as pessoas, a defesa da liberdade e da harmonia entre os povos…
- Então, mas sendo assim, o que é que correu mal?
- A estratégia.
- A estratégia?!
- Sim, a estratégia. Na altura pensámos que seria importante tentar proteger integralmente a identidade do planeta tal como ele é. Eram tempos diferentes e subestimámos o ser humano. Pensámos que seria bom criar um clima de mistério e de temor pelo desconhecido, que assim o Homem arrepiaria caminho, que pensaria a sua existência de uma outra forma.
- O que achas que correu mal?
- Não é evidente? O Homem mais uma vez aproveitou o temor e a fraqueza dos seus pares para ganhar poder e separar o mundo. Com a semente que o meu irmão cá deixou criou-se uma religião, que deu nascimento a outras e criou mais barreiras com outras já existentes. O Homem criou a Igreja, essa aberração dos tempos, que serviu de mote a algumas atrocidades em nome da maior mentira de todos os tempos: Deus, ou Deuses.
Todas as religiões falham, todas as religiões escolheram, desde cedo, viver da fraqueza do ser humano, fazendo-o temer algo que desconheça inteiramente e que o faça viver de acordo com regras duvidosas. Servem apenas os interesses de alguns dos seus quadros superiores e são, na sua base, tão repugnantes como qualquer conceito moderno de capitalismo.
A estratégia falhou também no seu alcance e só por isso deixámos que passasse tanto tempo até fazermos algo novamente.
- Agora perdi-me, falhou no alcance?
- Sim, como sabes, apenas uma percentagem da população mundial venera Deus e Jesus Cristo. Se o catolicismo tivesse proliferado em todo o mundo, eu teria vindo mais cedo…
- Não percebo, então vocês só não permitem o…
- Deixa-me interromper-te já. Nós abominamos qualquer religião. Mas julgámos que estas diferenças entre a “fé” dos povos levariam a que se entendessem mais cedo ou mais tarde, quando percebessem que nada daquilo em que acreditavam era verdade, em nenhuma das religiões. Isso acabaria por criar uma crise de crenças que levaria a uma “formatação” do ser humano. Mas mais uma vez subestimámos a capacidade de adaptação do ser humano.
- Então e o que pensas fazer diferente?
- Eu não sou o meu irmão sabes.
- Chamas-lhe irmão?
- Na verdade apenas adapto a nossa relação a algo que percebas. Não passamos de entidades que se manifestam de formas físicas diferentes no planeta. Neste caso sou um de vós. Mas podia ser uma árvore, uma gota de água, um coral, um peixe, um cavalo, uma brisa que entra pela janela do teu quarto…
- E porque dizes que és como ele?
- Bom, o meu irmão é uma espécie de apaziguador, de gerador de consensos.
- Não sei se estou a perceber…
- Eu explico de outra maneira. O meu irmão representa o lado bom, condescendente e dócil do meu pai.
- E tu?
- Bom… eu não.
- Não percebo qual é a piada! Queres explicar-me o que aconteceu ali!?
- Querias uma prova. Dei-ta. Agora já podemos falar sem que saias daqui a correr? Posso contar contigo ou é melhor esquecermos tudo o que aconteceu hoje?
- Podes contar comigo, acho eu…
- É melhor teres a certeza!
- Ok, tenho a certeza. De qualquer forma arriscaste muito ao fazer essa tua demonstração. Podia sair daqui a correr para contar isto a alguém.
- Em primeiro lugar ninguém ia acreditar. E em segundo lugar, mesmo que alguém te desse ouvidos, eu apagaria da tua memória tudo o que aqui aconteceu.
- Podes fazer isso?
- Entre outras coisas. Agora, se não te importas, a tua histeria fez-nos perder algum tempo que gostava de recuperar.
O planeta está a morrer. É um ser vivo como todos nós e está a morrer. Eu sou a sua última hipótese de sobrevivência. Aquilo que vocês têm feito ao planeta tem levado ao seu gradual enfraquecimento. A exploração de petróleo é o que mais danos tem provocado.
- Pensei que era o aquecimento global?
- Está tudo ligado. Mas pensa no petróleo como pensas no teu sangue. O petróleo é o sangue do planeta, e nós, ano após ano temos retirado esse sangue das suas veias, sem parar, eliminando brutalmente os seus recursos e a sua capacidade para respirar e viver. Estamos a enfraquecer o ser em que vivemos, do qual somos habitantes, parasitas, se quiseres.
Isto tem que acabar.
- Mas se é o planeta que controla tudo porque não acaba com isto?
- Há uma variável que fugiu, há muitos anos, ao controlo do nosso planeta: o ser humano. Aquele que nos deu todas as nossas características e faculdades, agora está a definhar por causa delas. O ser humano tornou-se ganancioso. O planeta está cheio de recursos que podíamos utilizar para sobreviver. Não precisávamos de mais do que a terra nos dá. Temos tudo: água, alimento, recursos energéticos de todos os tipos. Mas para o ser humano isso não chegava. Tudo começou quando o primeiro se tentou apoderar de algo que não lhe pertencia. O Homem parte de um princípio de posse que nunca foi uma premissa da vida em conjunto. A partir do momento em que eu quero possuir algo, todos os meus vizinhos se vão sentir no direito de possuir algo ou a mesma coisa. Na verdade, pensámos que todos os seres humanos acabariam mortos nesta luta pelas coisas materiais, e na verdade, vão todos morrer por isso. Mas nunca pensámos que durassem tanto tempo. Na realidade, analisando a forma como se constituíram as diferentes sociedades, até se saíram bastante bem, mas de forma errada, completamente errada. Apenas uma pequena percentagem dos habitantes do planeta tem acesso aos recursos básicos de sobrevivência, porque alguém instituiu que é preciso pagar um preço elevado por esses recursos. Incrível, não é? Termos que pagar por uma coisa que é nossa de direito apenas por termos nascido: os recursos do planeta.
Lara continuava a digerir aquela informação. Tudo lhe parecia fazer sentido, credível, incrivelmente credível. Sentia uma amálgama de sentimentos contraditórios: por um lado a raiva de pensar que tudo poderia ter sido diferente no mundo, mas por outro, a conversa de Stanislau parecia repreendê-la também a ela, porque não podia deixar de se sentir culpada. Ela também vivia segundo estas regras reprováveis.
Stanislau continuava:
- Estás a pensar que tudo poderia ter sido tão diferente, que poderia ter sido tão melhor, não é?
- Sim. Não consigo evitar. Tento imaginar como viveríamos em paz e em total harmonia.
- Sim. Viveríamos num ambiente muito harmonioso.
- Mas há uma coisa que não percebo! Porquê só agora? Porque razão o planeta não tentou evitar isto antes? Não terá previsto que isto poderia acontecer? Seguramente que algo podia ter sido feito antes…
- Quem te disse que nada foi tentado?
- Então? O que é que se fez?
- Exactamente o que se está a fazer agora: enviou-se alguém.
- Mas quem? Porque é que nunca se falou nisso?
- Nunca se falou nisso? Há um conjunto de livros que conta essa história: chama-se Bíblia.
- O quê?! Não! Não posso sequer equacionar essa possibilidade!
- Não? Pensa bem. Os milagres, os princípios e os valores que defendeu, a forma como tentou mudar as pessoas, a defesa da liberdade e da harmonia entre os povos…
- Então, mas sendo assim, o que é que correu mal?
- A estratégia.
- A estratégia?!
- Sim, a estratégia. Na altura pensámos que seria importante tentar proteger integralmente a identidade do planeta tal como ele é. Eram tempos diferentes e subestimámos o ser humano. Pensámos que seria bom criar um clima de mistério e de temor pelo desconhecido, que assim o Homem arrepiaria caminho, que pensaria a sua existência de uma outra forma.
- O que achas que correu mal?
- Não é evidente? O Homem mais uma vez aproveitou o temor e a fraqueza dos seus pares para ganhar poder e separar o mundo. Com a semente que o meu irmão cá deixou criou-se uma religião, que deu nascimento a outras e criou mais barreiras com outras já existentes. O Homem criou a Igreja, essa aberração dos tempos, que serviu de mote a algumas atrocidades em nome da maior mentira de todos os tempos: Deus, ou Deuses.
Todas as religiões falham, todas as religiões escolheram, desde cedo, viver da fraqueza do ser humano, fazendo-o temer algo que desconheça inteiramente e que o faça viver de acordo com regras duvidosas. Servem apenas os interesses de alguns dos seus quadros superiores e são, na sua base, tão repugnantes como qualquer conceito moderno de capitalismo.
A estratégia falhou também no seu alcance e só por isso deixámos que passasse tanto tempo até fazermos algo novamente.
- Agora perdi-me, falhou no alcance?
- Sim, como sabes, apenas uma percentagem da população mundial venera Deus e Jesus Cristo. Se o catolicismo tivesse proliferado em todo o mundo, eu teria vindo mais cedo…
- Não percebo, então vocês só não permitem o…
- Deixa-me interromper-te já. Nós abominamos qualquer religião. Mas julgámos que estas diferenças entre a “fé” dos povos levariam a que se entendessem mais cedo ou mais tarde, quando percebessem que nada daquilo em que acreditavam era verdade, em nenhuma das religiões. Isso acabaria por criar uma crise de crenças que levaria a uma “formatação” do ser humano. Mas mais uma vez subestimámos a capacidade de adaptação do ser humano.
- Então e o que pensas fazer diferente?
- Eu não sou o meu irmão sabes.
- Chamas-lhe irmão?
- Na verdade apenas adapto a nossa relação a algo que percebas. Não passamos de entidades que se manifestam de formas físicas diferentes no planeta. Neste caso sou um de vós. Mas podia ser uma árvore, uma gota de água, um coral, um peixe, um cavalo, uma brisa que entra pela janela do teu quarto…
- E porque dizes que és como ele?
- Bom, o meu irmão é uma espécie de apaziguador, de gerador de consensos.
- Não sei se estou a perceber…
- Eu explico de outra maneira. O meu irmão representa o lado bom, condescendente e dócil do meu pai.
- E tu?
- Bom… eu não.