O quarto de Stanislau era surpreendente. Não se parecia com um quarto de um adolescente. As paredes não tinham posters, estava muito arrumado, não se via nada fora do devido lugar. Na verdade, não havia ali nada que ligasse Stanislau a qualquer coisa, ou pessoa, ou actividade. O quarto surpreendia pela ausência de vida.
- Ena, Stanislau, o teu quarto é, bom, é muito arrumado!
Stanislau estava de pé e olhava Lara com o mesmo interesse que tinha demonstrado durante o jantar. Lara não sabia, mas para ele aquela mulher era a mais interessante que já tinha visto em toda a sua vida. Não era muito bonita, mas era elegante e enigmática. De qualquer forma, a beleza era algo que não interessava a Stanislau. O seu interesse pelas pessoas não poderia, nunca, resumir-se a algo tão fútil.
- Se não quiseres falar eu compreendo. Não precisas de falar. Mas ambos sabemos que se não o fazes é porque não queres.
Ele continuava a olhá-la com imenso interesse e isso estava a deixá-la desconfortável.
- Estavas à espera que subisse não estavas? Estavas à minha espera. O que é que te fez pensar que subiria?
Ele conseguia continuar impávido, sem esboçar qualquer expressão.
- Tudo bem. Não contava que falasses comigo quando subi. Vou-me sentar aqui na cama e podemos ficar em silêncio.
- Quando te sentes nervosa coças-te sempre atrás da orelha direita…
- O quê? Então sempre falas comigo? – Lara estava espantada. Na verdade não acreditou que ele quebraria o silêncio por ela.
- E quando ficas irritada franzes a sobrancelha direita e levantas a esquerda…
- Sim, muito interessante. Não falas durante 16 anos e é isso que te apetece dizer agora?
- Gostas de animais, especialmente selvagens e eu acredito que é por serem livres, tens uma relação silenciosa mas de grande entendimento e respeito com o teu pai, o que me faz pensar que admiras as suas virtudes, mas que ele não foi um pai muito presente. Com a tua mãe a relação é de ódio, mal olhas para ela e deixas escapar um esgar de desdém de cada vez que ela opina. Deduzo que seja pelo facto de saberes que ela trai o teu pai…há muito tempo…
- Ok, estou impressionada. Como sabes que a minha mãe trai o meu pai?
- Da mesma maneira que sei que não tens namorado, que me achas interessante, que achas que os meus pais são uns idiotas e que não querias vir a este jantar até o teu pai te falar de mim. Observando.
- Observando?
- Sim. O silêncio permite-nos observar e as pessoas habituam-se a agir com uma naturalidade invulgar. O facto de contarem sempre com a minha quase inexistência ou invisibilidade leva a que se sintam como se estivessem sós. Apenas sós agimos com total desprendimento e somos verdadeiramente genuínos. O meu silêncio tornou-me invisível.
- Porque falas comigo então?
- Porque quero que voltes. Interessas-me.
- E se não voltar?
- Problema teu. Continuo a viver. Tenho um plano para mim e vou manter-me fiel a ele.
- E que plano é esse?
- Como te disse, o plano é para mim, não faz sentido divulgar-to.
- Vais continuar sem falar?
- Vou. Para além disso conto com a tua discrição, não podes dizer a ninguém que tivemos esta conversa. Nem mesmo ao teu pai. Quando desceres o teu pai não te vai perguntar nada mas o meu vai. A minha mãe vai ficar furiosa contigo se descobrir que falei contigo e não com ela. Vais dizer que permaneci em silêncio o tempo todo e que quase nem dei pela tua presença. O teu pai vai perguntar-te o que aconteceu no caminho para casa. Vais repetir o que te disse. E vais pedir-lhe para voltar cá. O teu pai depois vai ligar ao meu a pedir para tu passares por cá e o meu pai vai aceitar com alguma relutância. Afinal será o Dr. Mendes a pedir.
- A minha vinda cá a casa faz parte do teu plano?
- Não. A tua vinda cá prende-se apenas com a minha vontade de te ter por perto. Agora vai, tenho muito em que pensar.
Lara acedeu ao seu pedido, que era quase uma ordem. Não era mulher de deixar que falassem assim com ela mas parecia-lhe genuíno o discurso de Stanislau. Claramente ele era muito seguro de si próprio e tinha um plano. O facto de estar na presença de alguém, que parecia conhecê-la melhor do que muitos dos seus amigos e que dizia ter um plano, puxava o seu interesse para níveis anormais. Ela queria voltar. Não sabia porquê, mas queria. Sentia-se importante pelo facto de ele a querer por perto e quando chegou à sala não foi com espanto que percebeu que tudo ia acontecer como Stanislau previra. No caminho para casa o seu pai perguntou-lhe o que acontecera. Depois de repetir tudo o que dissera, pediu ao pai para voltar. Depois de alguma relutância, o Dr. Mendes acedeu em ligar ao pai dele. Nesse momento, no seu quarto, Stanislau sorriu.

1 de olhos abertos:

  1. ainda não vi loucura, só uma inteligencia para o seu plano!
    Quando lia a parte de em silêncio conseguir obserar tudo lembrei-me de algo que de vez em quando fazia... ia para a baixa de Coimbra e sentava-me num muro ou banco. ficava ali uma data de tempo seguido apenas a observar as pessoas a passar... é engraçado, mas estando concentrada nelas, quase poderia arriscar como era a vida delas, pela maneira como andavam, pelas experessões faciais, pelos olhares...não criticar o físico, disso esquecia-me rápido, mas imaginar tudo o que lhes passava pela cabeça! (SIM, SOU DOIDA!)

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